"Tornei-me insano, com longos intervalos de uma horrível sanidade" - Edgar Allan Poe

W. R. SANTHOS

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Porto Alegre, Rs, Brazil
Escritor. Pintor. Cineasta Amador.

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sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Minha Mãe Zumbi



Eu não me preparei para isso, não sei se alguém nesse mundo estava preparado para o que aconteceu, os fatos foram escondidos pelos governos e quando finalmente revelaram tudo já era tarde demais, o mundo estava perdido, não tinha mais volta, tudo se tornou uma fração do que era. Os primeiros a se infectar foram obviamente os mais pobres, das periferias da cidade, enquanto os jornais noticiavam o que acontecia e mostravam o terror na vida dessas pessoas. O exército não sabia o que fazer para conter o avanço zumbi, no começo ainda temiam estar matando pessoas inocentes, isso fez a infecção se alastrar mais ainda, quando finalmente chegou nas grandes cidades, o fim da humanidade como a conhecemos estava perto.

A maioria das pessoas tinha sido educada para essas situações em filmes, livros ou séries, nada disso adiantou quando a hora de encarar essas criaturas chegou, eu sempre ria daqueles personagens em filmes que morriam por pura burrice, mas na vida real isso acontecia a cada minuto, seria cômico se não fosse trágico, famílias dizimadas sem pudor ou perdão, zumbis não tinham consciência, e se tivessem estava bem escondida. Matavam sem demonstrar remorso ou compaixão, eram mortos, mas ainda andavam com os vivos, e sussurravam palavras sem sentido enquanto tentavam morder qualquer um que ainda não tinha sido infectado, suas peles apodreciam depressa sem o alimento, que eram nós.

Tudo foi parando de funcionar na cidade, ônibus, mercados, farmácias, escolas, hospitais, a rua ficou deserta com a exceção dos mortos-vivos que cambaleavam pelo chão, morávamos encima de um mercado, quando o dono foi embora trancamos tudo, da janela vi coisas terríveis acontecer, crianças sendo mortas sozinhas, membros arrancados e devorados com crueldade absurda, eles não tinham mais nenhum traço humano.

Durante um bom tempo estávamos protegidos, tínhamos uma certa fartura de comida, eu e minha mãe não podíamos reclamar, com várias pessoas sofrendo, nossa situação era até “boa”. Com a falta de luz, passávamos o tempo conversando e lendo livros, enquanto escutávamos gritos distantes, e a noite com o silêncio na escuridão vinha o gemido em conjunto dos zumbis, aquilo me dava uma agonia no coração, fiquei dias sem dormir por conta disso, cada noite parecia uma eternidade.


Os únicos lugares que as pessoas habitavam eram os prédios e edifícios, qualquer casa no térreo ou era invadida por zumbis ou por pessoas desesperadas. Nos primeiros dias da transformação eles eram fortes e ágeis tanto quanto eram em vida, mas depois de algumas semanas o corpo ia se deteriorando se não se alimentassem, sentiam nosso cheiro e escutavam o mais baixo dos barulhos, não eram iguais nos filmes que destruindo o cérebro eles paravam, os corpos continuavam a caminhar mesmo sem cabeça, era comum ver braços ou pernas mutiladas no chão se mexendo.

 Em uma noite mais tranquila que o normal, escutamos uma criança chorando na rua, ela estava perto de uma árvore, seu choro desesperado estava atraindo uma quantidade enorme de zumbis, minha mãe quis muito ajudar mesmo isso podendo interferir na nossa própria segurança, mas era mais que nossas vidas e a da criança que estavam em jogo no momento, o que nos fazíamos ser humanos também estava em jogo, se deixássemos aquela criança morrer ali devorada ficaríamos internamente igual aos mortos-vivos.

Descemos rápido porque estavam se aproximando, minha mãe queria mais do que tudo salvá-la, durante toda essa ocupação zumbi ela ficou muito incomodada de não fazer nada durante todo esse tempo. As noites eram mais escuras agora sem iluminação, o que deixa mais fácil um zumbi aparecer de surpresa, e infelizmente foi o que aconteceu com minha mãe, ela conseguiu pegar a menina assustada, mas um zumbi atrás da árvore surgiu e mordeu o seu braço, arrancando um pedaço.

Fui atacado também, mas consegui escapar da mordida, corremos de volta para casa, nosso portão ficou cercada de zumbis forçando para entrar, ela me olhou no fundo dos meus olhos, ambos sabíamos o que estava para acontecer, as lágrimas queriam cair, mas ela pediu para ser forte, eu necessitava sobreviver, entramos em casa depois de trancar tudo, ela não fraquejou nem por um momento com a criança nos seus braços em choque, eu sabia que ela estava condenada, mas não podia deixá-la.


Mesmo não querendo demonstrar, ela estava com muita dor, o sangue escorrendo pelo seu braço já tinha uma cor diferente, mais preto que o normal, as bactérias da boca do zumbi eram muito contaminadas. Peguei o que pude de primeiros socorros para tentar estancar o sangramento, ela já estava queimando em febre. Estava mais apavorado do que ela, eu tremia sem parar, rezava por uma solução milagrosa, pois a podridão foi tomando conta do braço e rapidamente se espalharia pelo resto do corpo a transformando no inevitável.


A menina encolhida em um canto da sala olhava apavorada tudo aquilo, minha mãe em sua extrema ternura me pediu pra cuidar dela. Queria ir pra rua de qualquer jeito se transforma lá, mas isso não pude deixar, a amarrei enquanto percebia o seu olhar humano desaparecer.  



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